O que mais incomoda nas expressões de diversas doutrinas religiosas é a estreiteza do olhar, a “cegueira da poesia”.
Para os cegos de poesia, só há ferramentas, trabalhos e deveres. Eles precisam de regras firmes, como um animal precisa de cabresto. Elegem um livro de palavras inquestionáveis. Por quê? Porque sim. Porque foi Deus. Por medo. E o que deveria ser Boa Nova (o real significado de “Evangelho”), transforma-se num pesado fardo de palavras mortas, ditadas por cegos que conduzem cegos. De um lado pecado, diabo, sofrimento. Do outro, um Deus mesquinho que aceita vultosas quantias em troca de promessas de sucesso e curas improváveis.
Carregando tamanha tristeza, o único objetivo desses cegos é aliciar mais cegos. Por dinheiro, por poder, por insegurança… Para fugir da ira desse Deus inquisidor que criaram pra si mesmos.
Nas questões da sexualidade, a cegueira se faz mais evidente: os órgãos sexuais são meros utensílios reprodutores. O que eles chamam de “natureza” é apenas um maquinário, uma fábrica, como se fôssemos produtos industriais. Mas a real natureza não se preocupa com isso, ela tem caminhos improváveis, encontra meios de se diversificar.
Um gorila adota um gato.
A natureza faz poesia.
Quer maior poesia do que a trans, a bi, a homossexualidade? Seres que se veem além dos gêneros pré-definidos. É necessário “transver o mundo”, como diz Manoel de Barros. As coisas só são as coisas quando as enjaulamos em conceitos. A verdade não pode ser transcrita num livro. Ela está aí, desafiando-nos, florescendo diante de nossos olhos. E o arco-íris não vai deixar de colorir o céu, apesar da cegueira epidêmica dos tempos atuais.